A conversa de hoje é um contraponto entre dois temas, contraditórios e imbricados um no outro.

A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), em novembro de 2005, distribuiu um documento (Rumo às Sociedades do Conhecimento), coordenado por Jérôme Bindé, o qual "incita as autoridades governamentais a investir em uma educação de qualidade para todos, a multiplicar os locais de acesso comunitário às tecnologias da informação e da comunicação, e a encorajar o compartilhamento do saber científico entre os países afim de reduzir as diferenças numéricas e cognitivas que separam o Norte do Sul e também abrir o caminho para uma forma "inteligente" de desenvolvimento humano sustentável".

Para os autores, não deveriam existir excluídos nas sociedades do conhecimento, posto que o conhecimento é um bem público que deveria estar disponível para todos nós.

Desde então, venho assuntando cá no meu canto: como poderemos entender a explosão de revoltas sem causas, sem bandeiras e sem lideranças, envolvendo jovens e adultos, auto-convocadas via redes sociais, e promovendo o vandalismo contra tudo o que representa o poder; movimentos fermentados nas periferias das áreas urbanas degradadas? Qual a origem real deste fenômeno?

A propósito dessa questão, um dos principais pensadores da esquerda norte-americana, Michael Hardt, considera que, hoje, qualquer país europeu reúne condições para a eclosão de distúrbios similares aos que ocorrem em Los Angeles, no Brasil, no Egito ou no México. Já ocorreram em Paris, em Madrid, em Atenas...



E eu ouso acrescentar que qualquer país reúne as mesmas condições, desde que pratiquem modelos econômicos excludentes e opressores; semelhantes ao que vivenciamos aqui no patropi.

A meu sentir, os acontecimentos atuais não são uma luta contra qualquer governo que eventualmente esteja de plantão, mas contra a estrutura de pobreza e exclusão. E acrescento, estrutura sustentada pela manipulação, pela propaganda, pela repetição sistemática de mentiras e ilusões. Em contraste com a realidade.

São os pobres se rebelando contra sua exclusão e subordinação na sociedade. É por isso que a comparação com as revoltas de Los Angeles e Paris ajuda a compreensão.

Sim, há diferenças culturais e raciais que demarcam a linha dos conflitos nos dois casos. Mas o essencial nos dois casos é a existência de pobreza e exclusão social. Não é surpresa que esse tipo de conflito chegue na era da globalização e da internet.

Esse tipo de pobreza e exclusão é resultado do modelo econômico, que tem o "deus mercado" (o consumismo) como regulador de todas as questões, igualmente no Rio de Janeiro, na cidade do México, em Paris, Nova Orleans ou São Paulo. Ou, como diria Zé Ninguém, Oropa, França e Bahia.

Para Hardt, nos tempos atuais não há mais sentido em falar apenas em dominação de um Estado nacional sobre o outro, mas, sim, de uma nova forma de soberania: um "poder em rede" formado por instituições supranacionais, grandes corporações capitalistas dominando o mundo inteiro.

Acrescento que o grande capital internacional (volátil) é essencialmente especulativo. Sua estratégia tem um único foco: o lucro máximo. Sem compromisso com o desenvolvimento ou com evolução do ser humano.

Face a essa realidade cruel que nos agride perigosamente, e para recarregar as baterias da esperança, é importante conhecer e divulgar o documento da UNESCO "Rumo às Sociedades do Conhecimento".

A UNESCO propõe que os governos, o setor privado e os parceiros sociais devem, no século 21, introduzir uma "dotação por tempo de estudo" que dê aos indivíduos o direito a educação continuada, até mesmo após o término do tempo da instrução formal. Aponta a educação como a única saída para evitar a barbárie.

Ao mesmo tempo em que se aumentem investimentos em pesquisa, é preciso promover novas formas de partilhar o conhecimento. Também é preciso promover a diversidade lingüística e as culturas locais.

Nada assombroso, nem revolucionário. Apenas um dever de casa que todos já deveríamos ter feito.

Doloroso é constatar que, apesar de tudo o que fizemos, e após um rosário de decepções - no ano em que comemoramos 25 anos da Constituição cidadã, o povo brasileiro ainda sonha com sua libertação do jugo secular.

Sonhar é de graça ou, mais realisticamente, de ilusão também se vive.


Opinião política por Rinaldo Barros


Rinaldo Barros é professor da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, desde 1988. Até recentemente ocupou a Diretoria Científica da FAPERN – Fundação de Apoio à Pesquisa do Rio Grande do Norte, onde busca contribuir para que a disseminação do conhecimento científico e a prática da pesquisa se tornem mecanismos de desenvolvimento do Rio Grande do Norte. Atualmente, é consultor e presidente municipal do PSDB, em Natal (RN).