O caso do abraço do Dr. Drauzio na presidiária trans que violentou e matou uma criança diz algo muito significativo sobre o modo como lidamos com nossa própria sombra.

O que irritou as pessoas e precipitou a tempestade de bosta digital contra Dr. Drauzio e a TV Globo não foi o fato do médico ter abraçado o "monstro", mas o fato da reportagem ter despertado, em nós, empatia por esse "monstro".

Ora, se eu tenho empatia por Suzy (a presidiária trans) e me emociono com sua sua solidão é porque eu reconheço nela algo de semelhante a mim mesmo (esse é o conceito básico de empatia).

A solidão dela, é também a minha solidão. A humanidade que habita nela, é também a humanidade que habita em mim.

Então, quando eu sei que ela violentou e matou uma criança eu me assombro.

Como é possível que eu possa ter sentido compaixão por um "monstro"? Será que há em mim algo de monstruoso? Será que a sombra que ela carrega eu também carrego? Será que a humanidade que há em mim é a mesma humanidade que há nela?

Eu sou lançado em um paradoxo: a mesma criatura que me comove com a sua solidão me ofende profundamente com seu crime. O divino que há no sofrimento de Suzy se completa paradoxalmente com sua monstruosidade.

Para suportar esse paradoxo a gente faz um movimento defensivo em três etapas: 1. Desumaniza o assassino; 2. Odeia o médico e a TV que me jogou diante desse paradoxo; 3. Reafirma em público a nossa própria pureza moral e luminosidade imaculada emitindo nossa indignação digital

É preciso uma boa dose de Dostoiévski pra lidar de uma forma mais sincera com esse paradoxo.

No fim das contas, muito sem querer, o Dr. Drauzio Varela demonstrou que, é absolutamente banal ter empatia com os santos, mas que o divino mesmo, é ter compaixão pelos demônios.

Nesse ponto, Dr. Drauzio se mostrou bem maior do que já é.

Como é possível que a "maior nação cristã" do planeta não entenda isso?

Simples: porque o último cristão, morreu na cruz."