- Posso dizer que fui um privilegiado. Não me lembro de ter ido a pé para a escola. Seis, sete anos, já ia de carro para o Colégio Pedro II. Morava em Petrópolis, e o colégio era na Ribeira. Meu pai comprou um carro muito cedo.
- Era um Ford 1929, capota de pano, quatro portas. Provavelmente comprado de segunda mão. Resolvia. Dia de chuva, uma novela. Mas, ir a pé era pior. Depois de certo tempo, trocou por um Ford 1936, também capota de pano, quatro portas e também usado. Bem melhor do que o 29. Confortável, mais rápido. Pouco tempo depois, trocou por um Chevrolet 1937, esse já de capota dura. Para a época, carrão. Demorou com ele algum tempo. O interessante é que comprava gasolina em caixas da madeira, com duas latas de 18 litros cada. Os postos eram poucos e distantes. E o preço em caixas era bem menor.
- Estourou a guerra, que só nos veio afetar um pouco depois. Em 1940 comprou, à João Bezerra de Melo, seu amigo e distribuidor da Ford, acho que o seu primeiro carro novo – um Ford 1940. Mais moderno, bonito, preto, confortável. Mas, a coisa complicou. Com a guerra, começou o racionamento de gasolina, totalmente proibida a venda à particulares. Sem gasolina, teve que parar o carro, que ficou na garagem em cima de quatro tamboretes até o final da guerra.
- Para sorte nossa, tinha uma empresa que construiu quase todos os quartéis do Exército naquela época, com exceção do 16o. RI. Por essa razão, tinha direito a uma cota de combustível para se locomover, o que ajudou. Comprou um Ford 1929 que tinha, nas portas, um desenho com o nome “Construção do 16o. RI”, que era o controlador de todas as construções do Exército em Natal. Depois também foi construir em Parnamirim, o que melhorou sua cota de combustível.
- Terminou a guerra. Tirou o Ford 40 dos tamboretes, em ótimo estado e pouquíssimos quilômetros rodados. Passou a usá-lo. Os EUA recomeçaram a produção de carros, nomeou distribuidores em Natal, Bila da Chevrolet, João Bezerra continuou com a Ford, Wandyck Lopes com a Buick. Resolveu comprar um Buick novo, importado para ele. O “bicho” chegou de navio e fomos busca-lo no Porto. Nunca me esqueci. O guindaste tirou uma caixa de madeira enorme, depositou no pátio e os funcionários começaram a abri-la. Dentro, o carrão 1948, duas cores, bonito paca. Meu pai tinha então 42 anos e eu 18, já me enfronhando para tirar a carteira de motorista. Que apressei, para dirigir o carrão.
- Daí para a frente, as coisas normalizadas, trocava de carro de vez em quando. E começaram os nacionais. Comprou vários. Lembro-me de um Simca, belíssimo; de um Itamaraty, da Willys (no qual fomos até Curitiba (1967) e demos uma virada de ficar emborcados, com um pneu estourado; felizmente nada sofremos e continuamos a viagem, eu, meu pai, minha mãe, minha mulher e meu filho mais novo); um Corcel esportivo, bacana, e o seu último carro foi um Monza. Nesses tempos eu já tinha os meus próprios e adorei uma DKW Vemaguete, três cilindros, dois tempos.
- Tempos não esquecidos.