Foto: José de Paiva Rebouças

Professora Selma Jerônimo entre seus alunos de inglês 

 

Por José de Paiva Rebouças, de Agecom

Numa casinha de janelas ao estilo provençal, num dos morros mais altos do bairro Mãe Luíza, na zona Leste de Natal, o movimento ao final da tarde é intenso. O vai e vem frenético de crianças e suas mães chama a atenção de quem passa. No andar de cima, ao final de uma escadinha elegante de madeira, a médica Selma Jerônimo se comunica com a garotada em tom professoral. Dispostas no chão com olhos atentos, repetem com timidez as palavras em inglês da aula de línguas ministrada pela simpática voluntária.

A imagem bonita e contrastante com a simplicidade do bairro periférico, estigmatizado pelo discurso da violência, é resultado do trabalho de um sonhador de nome auspicioso. Há 17 anos, Francisco Ventura Pereira luta para desmistificar a imagem negativa que criaram do lugar onde mora. É dele a iniciativa do projeto Filhos de Mãe Luíza que oferece uma série de atividades educacionais e desportivas que têm tirado crianças da marginalidade e colocado no topo de muitos pódios país afora. Há três meses, Selma Jerônimo, uma das cientistas mais promissoras do Brasil na área da saúde, juntou-se a esta ação com uma ideia audaciosa, mas igualmente instigante.

A proposta é fazer com que um grupo de aproximadamente 80 crianças carentes aprendam a falar inglês fluentemente em 18 meses. Para isso, ela conta com apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), através de auxílio da Pró-reitoria de Extensão e, claro, com o voluntariado de professores, estudantes e pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Química. A médica patologista, e fotógrafa, Kaline Lucena Fonseca, tem sido outra base fundamental para a promoção da autoestima das crianças dentro do projeto idealizado por Ventura.

Na casa do projeto, medalhas e troféus cobrem as paredes internas nos dois pisos existentes. Sinal de sucesso dos alunos de surf, bodyboard, longbord, jiu-jitsu, capoeira e judô, modalidades esportivas disponíveis gratuitamente para quem quer aprender e competir. A ideia é ocupar a meninada para que fique longe dos perigos da criminalidade que rondam suas portas e tem dado certo.

Os Filhos de Mãe Luíza têm voz, tanto que foram eles que escolheram o que queriam aprender. “Os próprios alunos solicitaram as aulas de reforço escolar e inglês”, conta Selma, que trabalha uma metodologia interdisciplinar que possibilita o ensino de outras matérias dentro das aulas de língua. “Nossa proposta é trabalhar uma metodologia que também ensine geografia, história e matemática de maneira lúdica que permitam ao aluno aprender examinando”, reforça a cientista.

Essa proposta surgiu recentemente, mas a história de Selma com o bairro Mãe Luíza é antiga. Tudo começa lá atrás, quando o padre Sabino Gentille ainda era vivo. Os dois se conheceram quando ele foi convidado a integrar o primeiro comitê de ética da UFRN, em 2001, e logo ela se integrou ao trabalho desenvolvido pelo pároco no bairro desde a década de 1970. Foi ele quem introduziu o reforço escolar e as aulas de inglês no qual Selma tem sido voluntária há bastante tempo.

Para Ventura, o trabalho da UFRN junto aos Filhos de Mãe Luíza tem uma importância enorme, pois traz mais respeito para o projeto que vive de doações. “Mãe Luíza é como um bairro qualquer da periferia, vista em nossa sociedade como se não tivesse pessoas civilizadas, educadas, com cultura e estudo. A Universidade entrando aqui verá a quantidade de pessoas boas, pois é daqui que saem os pedreiros, os pintores, as artes, a cultura, a força e a mão de obra que a cidade precisa. Nosso trabalho é tirar essa imagem negativa da periferia, o preconceito, a rejeição. Essa é uma casa que tem este objetivo, porque aqui nos olhamos na mesma altura”, realça Ventura.

Na visão do pró-reitor de Extensão, Aldo Aloisio Dantas da Silva, que conheceu de perto o projeto, essa ação cumpre o papel da Universidade que tem como papel também levar conhecimento para a comunidade. “Quando a gente traz educação, traz formação, saúde e bem estar. Então é esse tipo de iniciativa que atende bem às necessidades de extensão da universidade”, enfatizou.

Selma Jerônimo

Graduada em Medicina e Ciências Biológicas, a Dra. Selma Jerônimo é referência nacional na área de imunogenética de doenças complexas, com ênfase em pesquisas em Doenças Infecciosas e Parasitárias, como leishmaniose visceral, hanseníase e tuberculose. Professora do Departamento de Bioquímica da UFRN, e dos Programas de Pós-Graduação em Bioquímica e em Ciências da Saúde, é membro titular da Academia de Ciências da América Latina (ACAL) e atual diretora do Instituto Medicina Tropical. Além dessas atividades, se dedica a três projetos sociais: no projeto Filhos de Mãe Luíza, na Escola Estadual Felizardo Moura, no bairro Quintas, e no município de Pureza, onde trabalha o empoderamento de pessoas via a educação.