NATAL PRESS

Sempre achei que em política, a pior coisa que alguém pode fazer é torcer. Certo é Chico de Oliveira ao apontar para o fato de que em política não cabe paixão, cabe análise. Mas é difícil, amigo velho, num país apaixonado por futebol, pedir que o militante de rede (social) analise alguma coisa. Mais fácil é vestir a camisa de seu bloco político como se fosse a do seu clube de coração.


Digo isso porque achei curioso demais uma página que apareceu na minha TL. Era um perfil no FB que se propunha a ser uma espécie de espaço para “Ex-esquerdopatas”. A página tem 1769 curtidas (ao menos enquanto digito essas linhas) e tem um subtítulo: “Esquerdismo tem cura”.

Já topei por aí com alguns conhecidos submetidos ao tipo de tratamento que essa espécie de página virtual propõe. Muitos desses renascidos se apresentam como adictos em grupos de auto ajuda. Às vezes confessam sua ideologia passada como se estivessem imbuídos de uma missão divina: curar a humanidade de sua “doença esquerdista”.

Na verdade me entedio profundamente quando assisto, no mundo analógico ou virtual, uma disputa entre “esquerdopatas” e “direitofrênicos”. Sinto uma aridez argumentativa e uma imensa impressão de perda de tempo quando visualizo algumas dessas pelejas virtuais. Depois que cruzei a casa dos 40, ando seletivo. O relógio digital do meu computador não marca horas a mais; ele conta o tempo a menos que me resta antes que o anjo do mistério cale minha boca, separe pra sempre meus dedos do teclado e meus olhos das frases postas nas páginas dos livros que ainda não li.

Mesmo assim achei curiosíssimo que uma página dessas se propunha a tratar ideologia como doença. Especialmente em se tratando de uma página de direita. Digo isso porque é muito provável que boa parte desse povo tenha conhecido Marx e Lênin através das preleções de Olavo de Carvalho na internet. Se tivessem se debruçado um pouco mais nos livros talvez tivessem encontrado uma carta de Lênin direcionada à Máximo Gorki, datada do Outono de 1913 onde o pai da revolução bolchevique condena a adesão do amigo a um certo “humanismo teológico”, ele diz assim: “Talvez eu não tenha entendido bem? Talvez estivesse brincando quando escreveu ‘por enquanto’? Quanto à ‘Construção de Deus’ talvez não tenha escrito à sério? Céus, cuide-se um pouco melhor! Ps .: Cuide-se mais seriamente, para não viajar no inverno sem se resfriar (no inverno é perigoso)”.

A ideia de que o desvio ideológico pode ser um sintoma de algum distúrbio orgânico, como uma doença ou uma patologia é um elemento presente por todo período stalinista. A dissidência geralmente era tratada como portadora de alguma patologia e tratada, muitas vezes, a partir de uma nomenclatura médica que implicava o uso da psiquiatria como uma ferramenta de ajuste ideológico (igual aos países liberais, diga-se de passagem, com sua química da felicidade embalada em cápsulas de farmácia).

Trotsky mesmo, em suas anotações de 1935, tem um sonho em que Lênin aparece depois de morto pra ajustar algumas interpretações políticas equivocadas e lhe dá conselhos: “Ele me interrogava ansioso sobre minha doença: ‘Parece que está com fadiga nervosa. Você precisa descansar’”. Então Lênin passa uma lista de nomes de médicos que Trotsky precisaria procurar.

É sintomático que parte da militância virtual de direita peça emprestado da antiga esquerda soviética, essa conexão entre ideologia e doença. Há um automatismo futebolístico na discussão política contemporânea aqui no Brasil. Uma carência de analise e de senso crítico que permita, nesse delírio digital, um pouco de rigor e solidez argumentativa. Mas o que esperar de uma geração educada politicamente por Olavo de Carvalho e Paulo Henrique Amorim?

O fato é que retrocedemos. Fomos obrigados a cultivar nossa covardia do futuro. Por isso mergulhamos em um delírio retroativo, buscando em retoricas passadas, os significados para a luta política presente. A politica agora virou doença. “Coxinhas” versus “Petralhas”; “Esquerdopatas” contra “direitofrênicos”: patologias ideológicas embaçando a viseira do país.

Não estamos mais em 1964 nem em 1989, mesmo assim, na disputa em torno do palácio do planalto, a desesperança do novo faz avançar uma onda conservadora que sonha em desconstruir o tempo e reverter a história. Uma onda que busca no passado os significados do presente, pra que o futuro, com suas incertezas e seus desafios, não venha, como em 2013, nos apavorar com a imagem projetada de nossa própria liberdade.



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