Faz um bocado de tempo, mas nunca esqueci. Eu tinha exatos 14 anos quando a vi pela primeira vez. Eu, no “muro” da minha casa, e você, no outro lado da rua. Elegante, magra e extremamente séria, ia no rumo do colégio. Um braço carregava os livros. O outro servia para dar mais charme ao balanço do seu andar. Sua saia plissada balançava como se fosse um pêndulo e me deixava hipnotizado. Nunca tinha visto coisa igual. Marquei a hora e toda manhã cedinho eu ia assistir a deusa passar.

No final da manhã, pertinho da hora do almoço, era o momento da volta para casa. Lá estava eu a admirar a garota que enchia a menina dos meus olhos. Seu rosto, com o lindo nariz empinado, não se dignava a dar uma virada para os lados. Seus cabelos lisos, movidos pela brisa que cerca os anjos, teimavam em cair sobre seus olhos. E você os afastava com aquela graça que Deus, tão generoso, lhe presenteou. Um retrato lindo e inesquecível! Por muitos e muitos dias eu me alimentava dessa ilusão.

Onde anda você, menina?

Ora, você nunca poderá me responder. Sequer trocou um simples olhar comigo. Você andava flutuando nas nuvens e eu, pobre mortal, tinha apenas o direito de admirá-la. Só conversamos nos meus sonhos, verdadeiros devaneios, só testemunhado pela escuridão do quarto. Imaginava mil maneiras de abordá-la, de ficar frente à frente e lhe dar um buquê das flores mais lindas que pudessem existir. Pensei, também, num cesto de jambos, numa nítida homenagem à cor da sua pele. Sei lá. Só queria que você soubesse que eu existia. Mas tudo ficava nos sonhos. Como diz a bela canção: “Nada além de uma ilusão”.

Esse “namoro unilateral” durou dias, semanas, meses, até que um dia você não passou. Nem no dia seguinte, nem nunca mais. Fiquei triste como fica triste o apaixonado abandonado. Era essa a sensação. Mas, um belo dia, saí da intenção para o gesto. Como sabia onde você morava decidi ir até sua casa. Queria vê-la, ouvir sua voz e, quem sabe, desfrutar de um sorriso seu. No jantar, estava sem apetite. A ansiedade me tomava o corpo e a alma. Tomei coragem, botei minha melhor roupa, passei uma generosa dose de uma boa colônia e parti para a batalha.

No caminho, com passadas seguras, ensaiava o que iria lhe dizer. Quando me aproximei deu para ver que você estava na calçada. O coração traiçoeiro acelerou as batidas. “É hoje ou nunca!”, dizia-me. Mas, algo inesperado aconteceu. Um carro parou na frente da sua casa. Um cara desceu e você foi ao encontro dele e o beijou. Fiquei estático. Apertei com força o “Serenata de Amor” que seria para você. Que decepção. Melhor seria viver a ilusão.

Dei meia-volta e saí andando à toa. Sem destino. Fui bater na Praça Pedro Velho. Sentei-me num banco e duas sentidas lágrimas rolaram pelo meu rosto. Deixei que o vento frio da noite se encarregasse de enxugá-las. Mais calmo, comi o chocolate e resolvi lutar por você. “Vou crescer, trabalhar, comprarei um carro melhor do que o daquele cara e vou atrás dela.”, pensei. Assim foi. Cresci, trabalhei, comprei o carro, mas o tempo – sempre ele – cuidou de arrefecer meu “amor”. Ficaram as lembranças, nada mais. Puras e legítimas.

Escrevo esse registro hoje para que você, meu amigo ou minha amiga, não esqueça o quanto é linda a vida. Por essas coisas, por esses puros sentimentos. Ela nos dá isso. Vamos aproveitar. Esse episódio fez de mim um homem. Despertou em mim o amor, sofri por essa gostosa e surpreendente sensação e lutei por ele. O que um homem precisa mais para viver senão apaixonar-se e deixar que isso o conduza? Creio que mais nada.

Quanto a você, meu primeiro “amor”, cujo nome eu nunca soube, onde quer que se encontre, espero que esteja feliz. Eu estou!(MW)