Não sei aonde ouvi essa história ou estória. Também não sei se é um cordel ou uma música comprida. Só sei que ficou gravada e, confesso, teimosas lágrimas escapuliam toda vida que pensava nela. É mais ou menos assim:

Numa região do nordeste, debaixo de uma seca braba, uma família de retirantes sofre com a falta de água e de comida. O dono das terras já não pode ajudar. O gado, magro e fraco, vai sendo dizimado. Um cenário de horror.

Pois bem. Um dia, já cansado de esperar a chuva que nunca vinha, o pai resolveu pegar a família e ir atrás dela. Assim o fez. Numa madrugada, sol ainda ameaçando nascer, eles juntaram o que puderam e partiram. O pai, na frente, desbravava a terra seca, livrando os demais dos espinhos e do leite de aveloz. A mulher, logo atrás, puxava um bruguelo pela mão enquanto segurava a barriga de seis meses. Em seguida, numa “escadinha”, outros quatro filhos. Por último, com o bucho encostando nas costelas, vinha Rex, o leal vira-latas. Imagem perfeita para as lentes de Sebastião Salgado.

Depois de muita caminhada eles avistaram uma fazenda. Viram que tinha uma cacimba e a água era franca. O pai falou com o fazendeiro e propôs trabalho em troca de comida e água. Negócio feito! Alegria na família de Jonleno. Esse é o nome do nosso herói. Jonleno, dezesseis para dezessete anos e não conhece nada do mundo, a não ser uns pedaços de novela que ele brechava na casa do patrão.

E é exatamente aí que começa a epopeia. Na bendita fazenda tinha uma caboclinha que foi a coisa mais linda que Jonleno já tinha visto. “Nem nas novelas”, pensava ele. Caiu de amor na hora. E a menina também foi tomada pelo mesmo sentimento. Bastou uma cruzada de olhar. Tiro e queda!

À noite depois de muito trabalho, Jonleno costumava dizer: “Uma noite depois de um dia duro. Trabalhei como um cachorro”. Mas, tinha Madonalva Cristina. Essa era a graça da princesa. Nada mais importava e o cansaço ficava para trás. Dia após dia o romance ficava cada vez mais roxo. Ele já tinha até arranjado coragem para dizer a Madonalva: “Quero segurar sua mão”. Ela deixou.

Começaram a encurtar os nomes para ficar tudo mais romântico. Para Jonleno, ela era Madona! E para Madona ele era Jon!
Dormiam e acordavam pensando um no outro. Cada dia a coisa melhorava. Beijos intermináveis na sombra do pé de Juá que, cúmplice do amor, ainda os escondia com seus galhos. E Jon pensou que aquilo era para sempre. Por que não? O amor libera a mente e o sonho toma formas maravilhosas. Assim como eram maravilhosos os dias de Jonleno. “Imagine todas as pessoas vivendo em paz”, sonhava ele. “O mundo seria um só”. Ou “Podem até dizer que sou um sonhador, mas não sou o único”, divagava.

Os sonhos de Jonleno só eram interrompidos pelo capataz da fazenda, um tal de Sargento. Tinha um detalhe: sempre que o Sargento chegava perto, todo mundo espirrava ou ficava com os olhos vermelhos. Parece que era o cheiro do homem. Pimenta, talvez.

Como curiosidade, contam que numa montanha perto da fazenda tinha um louco que, dia após dia, sozinho, gritava que via o mundo girar. Ninguém queria saber dele. Achavam que era apenas um louco. Mas ele via o sol se por e seus olhos eram capazes de ver a terra girando. Dizem que continua até hoje por lá.

Mas, voltemos à nossa história. Tudo corria às mil maravilhas até que, um belo dia, inesperadamente, surge ele, o Destino. Cruel, veio para acabar com os sonhos dos apaixonados. E ele apareceu em forma de chuva. Para Jonleno e Madonalva era a última coisa que poderia acontecer naquele momento. Mas aconteceu e o dono da fazenda chamou o pai de Jonleno e disse que agora eles podiam ir de volta à sua terra. Eles iriam pegar a longa e tortuosa estrada que os conduzirá de volta. A chuva era abundante. Como abundantes eram as lágrimas que agora caíam dos olhos de Jon e Madona.

Com a chegada da maldita chuva vinha a triste e dura realidade. Os dois sabiam que nunca mais se veriam e isso era terrível. Jon pediu “socorro” a Deus. Chegou a pensar em construir um daqueles bichos que andam debaixo d’água. Pintava de amarelo, botava Madona dentro e fugiriam daquele pesadelo. “Ontem, todos os meus problemas pareciam tão distantes”, queixava-se.

Na manhã seguinte, a família de Jonleno iniciou o caminho da volta. O corpo de Jon obedecia às ordens do pai, mas seu coração e seus olhos se recusavam. A distância foi aumentando e o vestido de chita branca de Madona era só o que ele ainda enxergava. Até que sumiu. Neste momento, ele olhou para os céus e, de coração, pediu a Deus: “Não me deixe tão triste!”. Depois, sem resposta, amaldiçoou a antes tão desejada chuva. Suas lágrimas se misturavam aos pingos da chuva que agora gelava seu coração. Pobres Jon e Madona.

Jonleno cresceu e foi ser músico. Chamou uns amigos do povoado e fizeram uma banda. Ele, Paulo, Jorge e outro cara do nariz grande. Sucesso total nas feiras da região. Como o sucesso incomoda, disseram até que Jonleno fumava uma erva esquisita. Tudo fofoca. Jon nem ligava. Arrumou uma namorada dos olhos apertados e saíram sertão adentro pedindo paz e amor.

Infelizmente, num nublado dia de dezembro, um rapaz que adorava suas músicas perdeu a cabeça e, sem explicação, deus três facadas em Jonleno que morreu na hora. Dizem que nem esboçou defesa. Triste fim. Ele era uma cara da paz. Por onde andava espalhava o amor. Pedia até para darem chance à Paz. O povo chorou muito sua partida.

Por uma estranha coincidência, Madonalva também foi ser do ramo. Pintou o cabelo de amarelo, e virou uma cantora de sucesso. Dizem que fez até aqueles teatros de feira. Era talentosa, Madonalva. Com o coração ainda cheio de amor por Jonleno, mudou seu nome para Madonna. Do jeito que ele a chamava. Dizem que ela sofreu muito para alcançar o sucesso. Foi até “usada” por inescrupulosos empresários. Mas o destino não ajudou e eles nunca se encontraram. Ela ainda fez uma música para Jon que dizia “Fui usada, fiquei triste, mas quando lhe encontrei me senti como uma virgem”. Tudo era vaga lembrança. E ela esqueceu Jon e nunca mais se encontraram.

Bela, porém triste história de amor. Mas, como diz o ditado: quem está na chuva é pra se molhar. O consolo que resta é pensar que com Romeu e Julieta o final foi bem pior. Será que foi?

*Jornalista