Essa vida de meu Deus nos reserva cada surpresa! Vejam só: quis a vontade Dele que mamãe partisse ao seu encontro exatamente na véspera de completar 100 anos. Nasceu em 29 de agosto e partiu 28 de agosto. Por que não aos 100? Fiquei encucado com isso até que uma bem humorada amiga, chamada Aldair, disse que o calendário do Céu estava programado só com dois dígitos nesse dia e, por isso, Dona Martha subiu com 99 anos. Gostei disso.

Faz sete anos que não encontro mais a grande amiga, conselheira, um verdadeiro infindável poço de inteligência e, acima de tudo, a grande reserva de bondade e solidariedade que já vi por estas plagas. Ela era isso e um pouquinho mais. E que artista, hein? Que o digam suas alunas de pintura. Era poliglota e tinha o alemão como seu xodó. Ensinava alemão aos brasileiros e português aos alemães sem cobrar nada. Era sua contribuição para um mundo melhor, dizia. Para ela, a inteligência era o maior bem que uma pessoa possuía. Já o dinheiro não tinha valor e, com sabedoria, costumava dizer “Neste mundo nada regula”. Ou seja, nada segue uma regra preestabelecida.

Faz sete anos que não exista um só dia em que não pense nela! Que falta ela me faz. Sei que o ciclo da vida tem essa rotina e que mamãe, como aliada Dele, ultrapassou a média de vida dos demais. É um consolo, nada mais. Resta-me a certeza de afirmar que ela continua entre nós. A sua presença pode se sentida onde quer que haja uma manifestação cultural ou onde aconteça uma grande reunião de família. Ou, ainda, em qualquer roda de grandes amigos. Seu espírito conciliador sempre estará por perto exalando a paz tão desejada.

Faz sete anos. O tempo passa, mas é como se fosse ontem. As lembranças ainda vivas me transportam para lugares do passado. Sei que devemos olhar em frente, procurar novos horizontes e construir a cada dia o nosso futuro. Tudo isso eu sei. Sei, também, que jamais poderia encarar esse presente e esperar o futuro se não tivesse um passado vivido ao lado de minha mãe. Devo a ela a aceitação das adversidades como obstáculos da nossa caminhada sem, contanto, sucumbir ante elas. Só não aprendi alemão. Pensar que ela insistia – e muito – para que eu aprendesse e eu não me dediquei como deveria me corrói de arrependimento. Tinha dias que ela só falava comigo em alemão. “Não faça isso, menino!” “Vá estudar!” e por aí vai. Guardei muitas frases comigo, principalmente essa que está acima desse texto: “Eu amo você!”. Tem nada não. Vamos em frente.

Bem. Um dia, de acordo com a vontade Dele, estaremos juntos outra vez. E dessa vez não vou deixar escapar nenhum dos seus ensinamentos. Faremos grandes salas de pintura e estudo de línguas. Casa sempre cheia. Ela, à cabeceira, dará as coordenadas. Será uma mistura do Louvre com uma Babel organizada.

Papai assistirá a tudo sentado na sua cadeira de balanço e um jornal à mão. Emilinho, sempre de branco, continuará a visitá-la para um cafezinho e contar suas histórias engraçadas e falar de Ione e dos meninos; Maninha inventará um novo prato a cada dia e parece que dessa vez o casamento vai sair; Bebete me chamará para discutir teses sociais que ela desenvolveu e resolveremos os problemas do mundo. Vai ser bacana!

Calma. Tudo no tempo Dele! Apesar da saudade, não tenho a menor pressa de reencontrá-los. Ainda tem muita coisa boa pela frente. Igual a uma frase que ouvi sobre esse papo de idade: O melhor ainda está por vir! Se Deus quiser.

Auf wiedersehen, mein mutter!