Amigo Caio Salem,

Começo dizendo que nossos temores eram infundados. Deu tudo certo! Graças ao bom Deus e à preciosa ajuda de Nossa Senhora de Fátima.

Depois de uma serena travessia sobre o Atlântico, pousamos em terras lusas. Afora uns probleminhas com uma aeromoça que conheci no trajeto e que queria, a todo custo, pedir demissão da TAP e ir comigo nessa missão, o resto foi tranquilo. Quanto ao problema sentimental da moça - macaco velho como sou - usei uma nova técnica de escape: “Meu bem, vou ali comprar cigarros e volto já”. Como parte do plano de fuga, comprei um disfarce de Roberto Leal, saí cantando fados pelo saguão do aeroporto e driblei a criatura.

Em seguida, peguei o trem que me levaria ao encontro do nosso velho amigo. Apesar dos insistentes olhares de uma ferromoça, não quis conversa e me concentrei na viagem. Cheguei à Coimbra pelas dez da matina e fazia um frio que lembrava muito a Serra do Lima, que fica ali entre Patu e São Miguel. Enquanto pegava minha bagagem – que era bem grande, por sinal – senti que alguém me olhava. Virei-me e dei de cara com um par de olhos suplicantes e ansiosos. Não era Camões, com certeza! Era ele, afinal. Alex Roberto Rodrigues do Nascimento. Quis esboçar um sorriso, mas ele não correspondeu. Eu sabia o que ele tanto almejava e, calmamente, retirei da bolsa e mostrei-lhe, de longe, sua primeira encomenda: um pacote novinho de Plaza curto! Senti um certo alívio por parte dele, mas faltava muita coisa.

Depois dos abraços e manjadas perguntas, entramos no taxi. Antes que ele perguntasse: “E o resto?”, tranquilizei-o com um aceno de cabeça que queria dizer que estava tudo aqui. O trajeto, do pequeno aeroporto até sua casa, que fica nos arredores daquela Açu portuguesa, lembrava muito a estrada Macaíba-São Gonçalo, mandacaru de um lado, aveloz do outro. Bateu uma saudade!

Agora sei o que Alex está passando. Cadê a feira do Alecrim? A Cabeça do Bode? E o Picado do Monteiro, onde ele tantas vezes varou a noite tocando surdo na turma do “Pagode do Atlântiico”? Não tem nada disso por aqui. Só bibliotecas, museus, galerias de arte, essas baboseiras. Perguntei se estava batendo uma bolinha e ele fuzilou-me com os olhos e respondeu: “Mané, aqui não tem Vila Naval”. Pobre Alex. Quanto tempo ainda ele vai ter que aturar isso? Mas tem que pagar essa pena. Afinal, quem mandou mexer com a moça no fatídico carnaval do Quintas Clube? Fez aqui, paga aqui! É a lei!
Enfim, chegamos à sua casa. O bairro lembrava muito o estilo de construção da Cidade da Esperança. Quando entrei, quase não consigo segurar uma teimosa lágrima. Logo na sala, um enorme pôster do ABC de Alberi. Ao lado, uma foto do Mons. Walfredo e, como não poderia deixar de ser, o diploma da UFRN. Sentei-me, tirei uma garrafa de Pitu da bolsa e tomamos uma lapada, que é pra espalhar o sangue. Comecei, então, a transformar seus sonhos em realidade. Carne de Sol, jerimum, miúdo de porco, farinha, mocotó, um peba, 2 garrafas de Murim, uma fita K7 com edições da Patrulha da Cidade, uma fita VHS com trechos do Aqui Agora e do Programa Luiz Almir.

Ficamos o resto do dia bebendo, fumando e relembrando as nossas coisas. Olhei para o relógio – já tava vendo dois – e em ambos eram 20h30. Olhei para os Alex – também tinham dois – e eles, sem dizerem uma palavra, ficaram balançando as cabeças, como se não acreditassem no que viam e que podiam, quando bem entendessem, saborear aquilo tudo.

No dia seguinte, tomei um Sonrisal e fui cuidar do retorno com a certeza da missão cumprida. Alex merece esse sacrifício e eu entendo isso. Já passei por esse drama quando fugi com Isadora Ribeiro e me escondi em Viena. Mas é outra história, depois eu conto.

Um abraço,
Minervino