Quarenta nos atrás. Começo do outono nos EUA. Convite do Governador do Maine, Kenneth Curtis. Grande figura, e que havia sido hóspede nosso. Lá fomos nós, eu e Cortez, então Governador, e eu, seu Secretário de Educação. Não tenho certeza, mas acho que Cortez ainda não conhecia os Estados Unidos. De qualquer forma, como ele não era fluente em inglês, fui o seu interlocutor.

Ficamos por lá em redor de uma semana. Como o Estado é relativamente pequeno, o conhecemos quase todo e até a pesca de lagosta fomos ver. Como aqui, a lagosta também é um baluarte da economia do Maine. Só que a lagosta de lá é mais “braba” do que a nossa, pois tem garras enormes.

Cortez, com a sua curiosidade permanente, não me dava um minuto de sossego e queria saber de tudo. Perguntava mais do que padre em confessionário. Quando sabia, explicava, quando não sabia, perguntava. Foram dias agradáveis. Kenneth nos cobriu de atenção e nos acompanhava por todos os lados. Do Partido Democrata, o encontrei anos depois em Washington, onde fora morar como Presidente do Partido; eu estava então na OEA.

Um dos fatos mais marcantes, para mim, foi o jantar oficial oferecido à Cortez. Todos nós sabemos como a oratória de Cortez cativava. Falava com facilidade, colocava as coisas com uma verve especial, fazia comparações brilhantes, e mantinha a atenção de todos, todo o tempo. Uma ruma de gente, restaurante cheio.

Fui o interprete. Difícil traduzir todas as imagens que ele fazia, mas, modéstia à parte, quebrei o galho. Cortez contava uma coisas engraçadas e, com a tradução, todo muito ria. Cortez, lá pras tantas, me perguntou: que diabo você está dizendo, esse povo está rindo demais! Não contei conversa, traduzi a pergunta e aí foi a vez da audiência estourar de rir.

Um amigo nosso, que já tinha estado aqui em Natal, conhecia Cortez e a mim já de algum tempo. De tanto rir, desequilibrou-se na cadeira, caiu para trás e, por azar, em cima de uma dessas portas de saída de emergência, que abriu e disparou um alarme. O riso dos presentes dobrou. A noite foi um sucesso. E, das várias vezes que voltei ao Maine, sempre aparecia alguém que tinha estado no jantar, ou encontrado Cortez em algum lugar, e perguntava por ele. 

Quando Cortez terminou, Kenneth, que já o havia apresentado, pediu desculpas à Cortez, pois precisava fazer um anuncio importante. E anunciou: depois do sucesso do Governador, vou convidá-lo para fazer a minha campanha para reeleição. Quando traduzi, Cortez respondeu: aceito o convite com prazer e pode ficar tranqüilo pois, não sendo americano, não posso concorrer com você. Coroou à noite. Bons tempos que vale recordar.