NATAL PRESS

A natureza é sábia. Quando envelhecemos, vamos perdendo audição. Meu avô morreu aos 78 anos. Aos 70, já escutava mal. Se você falasse mais alto, exclamava: fale baixo, se não eu não lhe escuto. Minha avó, que se foi aos 101, ficou completamente surda. Meu pai e minha mãe também tiveram seus probleminhas.

Como bom herdeiro desse genes, comecei a perder audição ao redor dos 70. Isso não me incomodava. Alguns parentes, e amigos, que gostam de novidades, começaram a reclamar: você está mouco; a gente fala e você não entende; temos que repetir e falar mais alto o tempo todo. Bote um aparelho, diziam. Tentei.

Fui ao médico, dos melhores daqui, confirmou minha surdez, que dizia progressiva, da idade, e confirmou o diagnóstico de parentes e amigos. Use aparelho. Pode testar sem obrigação. Testei.

Uns oito anos atrás. Tinha 76 anos. Usei, experimentei. Quando botei os bichos nos ouvidos, sons inesperados e que há muito não ouvia. Uma explosão, tipo Big Bang. Usei uns dez dias. Não me acostumei. Escutava os pratos sendo lavados na cozinha e não ouvia a tv na minha frente. O mundo todo era uma zoada só. Devolvi o aparelho, pedi desculpas, e voltei ao meu agradável silêncio.

Mas, agora, o bicho pegou. Meu passatempos são ler e ouvir música. Para ler, o silêncio é essencial. Para música, ouvir bem é indispensável. E comecei a sentir que não escutava alguns instrumentos; que não percebia alguns sons mais agudos. Na música clássica, onde o volume da orquestra vai do pianíssimo ao fortíssimo, percebi que muito perdia. Resolvi colocar um aparelho.

Voltei ao mesmo médico, que é meu amigo. Cara lavada. Achou graça; reexaminou, a perda havia aumentado, claro. Definiu um novo aparelho. Os mesmos problemas de antes. Mas agora são melhores, discriminam os sons com mais perfeição. São modelados exatamente para as suas dificuldades. Mas, ainda barulhentos. Resolvi enfrentar o problema e me acostumar. Adotei uma solução pessoal, particular. Uso de acordo com o que quero escutar.

Assim, não contrario a natureza, que nos isola dos sons perturbadores, ao "regular" nossa audição e nos permite o silêncio, nos ajudando a escrever nonsenses como este. Haja paciência, especialmente dos possíveis leitores.



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