Novo ano, novas decisões. Sou um sujeito que me vanglorio de não ter fobias, raivas, complexos. Sinto-me livre dessas insinuações de Dr. Freud. Procuro mesmo nem sequer me lembrar disso. E vivo muito bem assim. Mas, nos últimos dias, e sem motivo aparente, comecei a ter uma terrível fobia contra as garrafas térmicas em geral e a daqui de casa em particular. O que me levou a uma decisão de Ano Novo.

Tenho a impressão, agora que comecei a sentir o problema, que a origem disso tudo foram uns safanões que levei de minha mãe quando, aí pelos onze, doze anos. Levando a maldita garrafa para a mesa, pesada, cheia de café, a deixei cair, espatifou-se, e espalhou o café por todos os lados. Além dos safanões, merecidos, ainda tive que limpar o chão, móveis, todos os lugares respingados. Ossos do ofício.

De lá p’ra cá, as ditas cujas têm me perseguido. Quando trabalhei na loja de meu pai, a gente vendia essas bichas. Uma variedade enorme – já naquele tempo – e o freguês levava um tempão enorme para se decidir. Olha uma, olha outra, não gosta dessa, não gosta daquela. Cara demais. Barata demais. Haja paciência. Tudo isso ia aumentando meu trauma, até então sem identificação. Ainda não havia lido nada de Freud, nem ninguém me havia falado dele, ou visto qualquer comentário em jornais ou revistas. Outros tempos, menos traumáticos. E ninguém sofre da doença que não conhece.

Depois de me casar, foi a minha vez de comprar uma garrafa para nossa casa. Aliás, eu não, minha mulher. Mas participava da escolha, como “expert” pelo tempo que passei como vendedor. Ela queria um modelo, eu “aconselhava” outro, e terminamos levando o que ela queria. De novo, ossos do ofício.

As garrafas sempre davam problema. A tampa não fechava direito, o café esfriava, quando fechava para abrir era uma dificuldade, era pequena, era grande. Terminava tendo que comprar outra. Uma novela interminável, feito novela da Globo. Afinal, era difícil viver sem elas. De qualquer forma, são úteis.

Pois bem. Agora, tomei uma decisão radical. Vou deixar de usar garrafa térmica na nossa casa. A última que comprei, de uma marca conhecida e que dizem ser a melhor (já as vendia na loja de meu pai, portanto experiência na fabricação não falta), fechava e não abria, abria e não fechava, o café esfriava, e agora começou a vazar por um lugar desconhecido. Uma chatice. Aposentei a garrafa definitivamente, ela e similares.

Vou retornar aos costume de meus avós. O café vinha para a mesa num bule de ágata, coberto com um abafador, que conservava o café quente. Uma tranqüilidade. Não esfriava, não derramava, a tampa não emperrava. Uma invenção inesquecível e cuja utilidade é válida até hoje. Não sei é se vou encontrar bule de ágata. O abafador minha mulher faz.
E, para os mais jovens, uma explicação: abafador era uma pano recheado com algodão ou coisa parecida, que mantinha o bule quente. E era minha avó quem os fazia. Mas tinha para vender.