Essas conturbações que andam pelo país, que deixam todos preocupados, me trouxeram o desejo de mudar de assunto. Esqueçamos por um momento manifestações, baderneiros, espionagem americana, mais médicos, pré-sal e outras mazelas, infelizmente numerosas, que nos rondam. E que, pelo jeito, vão demorar a acabar. Lembrei-me de um amigo que toda vez que se puxava o Brasil como tema, especialmente se fosse sobre política, saía-se com um “mudemos de assunto; neste país sou turista e não me intrometo em seus problemas”.

Essa lembrança me trouxe passagens ótimas, na convivência com vários amigos que partiram. Figuras inesquecíveis, como Alvamar Furtado, Araken Pinto, Odilon Garcia, Mozart Romano, Eudes Moura, entre outros.

Mas, hoje, vou comentar apenas sobre Eudes, que se foi a quase dois anos, e sobre o qual Ernani Rosado dizia: Eudes não é para ser compreendido, é para ser usufruído.É que era uma figura diferente, complicado, voluntarioso, e a sua devia ser, sempre, a opinião final. Mas de uma inteligência e versatilidade cativantes. Divergíamos muito, e um dia lhe disse, no auge de uma discussão: você é um cara de muita sorte; arengueiro, caturro, complicado, e ainda tem amigos que lhe toleram e gostam de você. Concordou. Se foi aos 84 anos, no meu entender ainda “um menino”; se não na idade, na forma de olhar e viver a vida.

Quem o conheceu de perto, sabia que era uma figura eclética. Entendia de tudo, e não só de medicina, que era o seu métier. E há um detalhe. Quando não sabia, ou tinha dúvidas, achava uma resposta que lhe satisfazia, pensando que também nos satisfaria.

Gostava de brincar de arquiteto. Ficava feliz quando era consultado sobre o assunto, e desenhava soluções; e desenhava bem. Em Jacumã, quando fiz a reforma de nossa casa, deu vários palpites, muitos aceitos. Não gostava quando suas opiniões não eram seguidas. Questionou minha mulher por que não adotou uma de suas sugestões e ouviu de volta, “pedi sua opinião e isso não quer dizer que devo adotá-la”. Levou na esportiva.

De musica, era conhecedor profundo. Clássica, jazz, bossa nova. O testava, especialmente em musica clássica. Colocava um CD, sem dizer qual, e perguntava: que musica é essa? Dizia qual era, o compositor e, muitas vezes, até a orquestra e o maestro. Raramente se enganava.

Costumávamos nos reunir nos fins de tarde, pelo menos uma vez por semana. Mais das vezes em sua casa, algumas vezes na nossa casa. Ouvíamos musica, víamos algum filme novo, e tomávamos um “scotch”. E falávamos de Deus, e do mundo. Do Brasil inclusive. Não foi ele que disse ser turista por aqui. De vez em quando, inventava tomar um chá, o chá das cinco (passou um tempo na Inglaterra). Com todo o ritual britânico, com “milkandcookies. E dizia: Dalton, já imaginou quando pessoas em Natal estão tomando chá e ouvindo Wagner? E eu, que conhecia bem a figura, respondia: só eu e você.

Fumava cachimbo, charuto, cigarro. Não fumo. Na casa dele, não podia reclamar. Na minha, coloquei uma plaquinha de “proibido fumar”. Assim que chegava, virava a placa e acendia o cachimbo. Uma figura. Típico Eudes Moura.
Faz uma falta danada.

Dalton Melo de Andrade é professor universitário aposentado

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