'Meus tempos de molecagem'. Poesia de Celso Cruz

Um peteleco na orelha
Por um malfeito flagrado
Um castigo, um beliscão
Por um gesto mais ousado.
O Branco de uma coalhada
O pretume do escuro
Uma paquera na missa
Namoro de pé de muro
O queijo, a raspa do tacho
O meu avô, minha avó
O Voar de Uma Asa Branca
O canto de um Curió.
Uma coberta de algodão
Um chinelinho de dedo
Um arroubo de coragem
Uma pitada de medo
Um tiro de baladeira
Uma pedrada zunindo
Um sai pra lá meninada
Um vem pra dentro menino.
Um timbungar em um poço
A correnteza, o rio
O possuir-se em desejo
De um moleque no cio.
Um bêbado fazendo graça
Moleque correndo atrás
Menina pensa que é moça
Se enxerindo pro rapaz.
Um preto velho descalço
O caminhar na procissão
O repicado do sino
O vigário, o sacristão.
Sermão de todo domingo
Uma beata profana
O debulhar de um rosário
Nossa Sra. Santana.
É meu passado boiando
Nas águas de uma barragem
Sou eu no fundo buscando
Meus tempos de molecagem. (Celso Cruz)